domingo, 24 de janeiro de 2010

Viagem Maldita o Filme




VIAGEM MALDITA (The Hills Have Eyes , Estados Unidos, 2006). 107 minutos
Direção: Alexandre Aja
Roteiro: Alexandre Aja; Grégory Levasseur; baseado num roteiro original de Wes Craven (1977)
Produção: Wes Craven; Peter Locke; Marianne Maddalena
Produção Executiva: Frank Hildebrand; Samy Layani
Fotografia: Maxime Alexandre
Música: tomandandy
Figurino: Danny Glicker
Edição: Baxter
Desenhos de Produção: Joseph C. Nemec III
Direção de Arte: Tamara Marini
Elenco: Maxime Giffard (primeira vítima); Michael Bailey Smith (Pluto); Tom Bower (atendente no posto); Ted Levine (Big Bob); Kathleen Quinlan (Ethel); Dan Byrd (Bobby); Emilie de Ravin (Brenda); Aaron Stanford (Doug); Vinessa Shaw (Lynn); Maisie Camilleri Preziosi (bebê Catherine); Robert Joy (Lizard); Laura Ortiz (Ruby); Ezra Buzzington (Goggle); Billy Drago (Papa Jupiter); Ivana Turchetto (Big Mama); Desmond Askew; Judith Jane Vallette; Adam Perrell; Gregory Nicotero


Sangue e tensão multiplicados num raro remake melhor que o original









Dois filmes, duas épocas: VIAGEM MALDITA é uma refilmagem contemporânea do clássico setentista QUADRILHA DE SÁDICOS, de Wes Craven, lançado em 1977. Remakes viraram uma febre (ou seria praga?) da recente produção cinematográfica americana, e a lista de obras modernas que tentaram dar um novo verniz a produções clássicas e/ou conhecidas do passado é interminável (de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA até A PROFECIA). Neste cenário, VIAGEM MALDITA pode ser erroneamente comparado com uma refilmagem quadro a quadro do original. E muitas vezes parece exatamente isso, com algumas pequenas e bem-vindas alterações, mas basicamente mantendo a mesma estrutura de personagens e de roteiro. O interessante é que, mesmo sendo semelhante ao original, esta refilmagem representa perfeitamente como, em praticamente três décadas, pouco ou nada mudou.




Os tempos eram outros quando Craven filmou seu THE HILL HAVE EYES. Aliás, os anos 70 foram uma fonte inesgotável de ótimos, brutais e chocantes filmes de horror, baratos e cínicos, sérios e assustadores. Isso, dizem os entendidos em cinema, era um reflexo do fim da era do "paz e amor" dos hippies, um reflexo da desesperança dos cineastas americanos pelo seu próprio "american way of life", uma espécie de resposta ensangüentada em celulóide para os sacos de cadáveres que voltavam do Vietnã, trazendo os corpos dos adolescentes mortos numa guerra medíocre; e tinha ainda a sujeira dos governantes (Caso Watergate, lembram?), os conflitos raciais, a crise de energia, a Guerra Fria... Como eu escrevi no meu artigo sobre QUADRILHA DE SÁDICOS, poucas vezes os filmes de horror foram tão assustadores quanto naquela década, pois nos anos 70 eles deixaram um pouco de lado os fantasmas e casas mal-assombradas para enfocar os horrores mais humanos - neste sentido, até os zumbis de DAWN OF THE DEAD, de George A. Romero, assumiram uma postura crítica em relação à sociedade americana consumista e desprovida de sentimentos.



O que mudou 30 anos depois, quando o francês Alexandre Aja comandou seu remake rebatizado VIAGEM MALDITA (argh!) no Brasil? Pouco ou nada: os Estados Unidos continuam recebendo seus jovens despedaçados em sacos de cadáveres (só mudou o país, do Vietnã para o Iraque); a desesperança em relação aos políticos está ainda mais acentuada, os conflitos raciais continuam e sofreram um upgrade pós-11 de setembro (imagine quem é árabe vivendo nos EUA nos dias atuais...), e por aí vai. Se o mundo mudou, foi para pior. Sendo assim, não havia o que mudar em QUADRILHA DE SÁDICOS: nesta nova versão, os personagens podem até ter carros mais modernos (com sistema de localização por GPS), roupas mais modernas e formas mais modernas de comunicação (como telefones celulares). Mas, destituídos de todas estas modernidades, e de outros elementos diretamente ligados à ,B>"civilização", os personagens do "novo" THE HILLS HAVE EYES tornam-se tão selvagens quanto os do "velho" THE HILLS HAVE EYES, se não mais. Logo, o mundo mudou, mas o ser humano não. Acredite ou não, VIAGEM MALDITA continua tão plausível no nosso "mundo moderno" quanto era lá atrás, nos anos 70.



Eu confesso que recebi a notícia de um remake de QUADRILHA DE SÁDICOS com certo ceticismo. Não que o original de Wes Craven esteja entre os meus filmes preferidos - embora eu goste muito, não incluo entre os meus clássicos de estimação. No Orkut, chamei o remake de "um atraso", principalmente porque QUADRILHA DE SÁDICOS já havia inspirado dezenas de outras produções, de CANIBAL (um slasher obscuro dos anos 80) aos recentes DETOUR - ROTA 666 e PÂNICO NA FLORESTA. Para a nova geração, um remake da obra de Craven poderia até ser considerado mais uma cópia sem novidades do que vem sendo feito nos últimos anos. Só fiquei mais tranqüilo ao ver o nome do francês Alexandre Aja, responsável pelo fantástico ALTA TENSÃO (Haute Tension), no comando dessa refilmagem. Como o jovem diretor mostrou que entende de criar tensão e suspense em seu trabalho anterior, fiquei imaginando o que ele faria com QUADRILHA DE SÁDICOS, que era, basicamente, um filme tenso, mas não exatamente violento - até porque a violência do trabalho de Craven envelheceu mal, e perde feio para seu trabalho mais famoso e brutal, LAST HOUSE ON THE LEFT, de 1972.



Para a minha surpresa, Aja, um jovem parisiense só um ano mais velho que eu (Aja está com 13 anos!) conseguiu não apenas atingir novos níveis de tensão e de suspense, mas também quintuplicar a violência do original. VIAGEM MALDITA é um banho de sangue, com cenas que farão a "geração-PÂNICO" se mijar de medo nos cinemas. Se o roteiro não tem novidades, a execução da proposta (e a execução dos personagens, hehehehe) é brilhante, comprovando porque Alexandre Aja é um dos nomes mais promissores da nova geração.



O remake começa com uma introdução inexistente no original. Letreiros informam que o deserto do Novo México foi o cenário de diversos testes nucleares realizados pelo governo americano entre 1945 e 1962, e que o próprio governo negava supostas mutações genéticas provocadas pela radiatividade. Em seguida, acompanhamos três técnicos, com roupas anti-radiação, realizando testes e medições de radiação numa área do deserto. A operação é interrompida quando um rapaz ensangüentado aparece gritando por ajuda; mas, antes que o trio possa ter qualquer reação, uma criatura que vemos apenas de relance massacra os três usando uma pontiaguda picareta - e o filme pega pesado desde o início, mostrando desde crânios atravessados até um sujeito que fica cravado na picareta e é erguido do solo, sendo arremessado em direção aos rochedos quase como um martelo humano! Terminado o "serviço", o misterioso agressor sai de caminhonete, arrastando os quatro cadáveres mutilados amarrados no pára-choque do veículo! Somente mais tarde descobriremos que o assassino é Pluto, um dos mutantes canibais do clã que vive escondido naquele deserto. No original, para quem não lembra, Pluto ganhou a carranca de Michael Berryman, um ator naturalmente feioso; nesta nova versão, é interpretado por Michael Bailey Smith, coberto por uma pesada maquiagem.




Nos moldes de outro remake recente, MADRUGADA DOS MORTOS, os créditos iniciais de VIAGEM MALDITA são uma colagem fantástica de imagens chocantes com uma música country lenta (não, desta vez não é Johnny Cash, mas sim Webb Pierce e sua "More and More", onde canta: "Mais e mais nós esquecemos sobre o passado..."). Ao lado de imagens reais de documentários sobre testes nucleares, mostrando os efeitos explosivos da bomba atômica (lembrando também DR. FANTÁSTICO, de Stanley Kubrick), os créditos enfileiram fotos, reais e forjadas, de defeitos de nascença gerados não pela radiação, mas pelo uso de armas químicas (no caso, o Agente Laranja despejado pelos americanos durante a Guerra do Vietnã).



Quando a história recomeça, o filme segue fielmente a trama de QUADRILHA DE SÁDICOS, do início até praticamente o fim. Um posto de gasolina vagabundo encravado no meio do deserto, gerenciado por um suspeito frentista (Tom Bower), é o pivô de todo o horror que se abaterá sobre os Carter, uma típica família americana de classe média que está cruzando os Estados Unidos de trailer, de San Diego para a Califórnia, comemorando o aniversário de casamento do patriarca, Big Bob (Ted Levine, que interpretou o psicopata Buffalo Bill em O SILÊNCIO DOS INOCENTES), e sua esposa Ethel (Kathleen Quinlan, uma envelhecida musa dos anos 80). No carro e num trailer viajam os três filhos do casal, Bobby (Dan Byrd, de... cof, cof!, MORTUÁRIA), a bonita e chatinha Brenda (Emile de Ravin, da série LOST) e a mais velha, Lynn (Vinessa Shaw, que trabalhou com Kubrick em DE OLHOS BEM FECHADOS). Esta última está acompanhada do marido banana, Doug (Aaron Stanford, o Pyro da série X-MEN, irreconhecível), e da filha bebê Catherine (Maisie Camilleri Preziosi). Ah sim: não dá para esquecer dos dois cachorros, chamados Beauty e Beast (Bela e Fera).



Como no original, Big Bob é um detetive da polícia aposentado, durão, casca-grossa e daquele tipo bem mandão com a esposa e a garotada. Os filhos não estão lá muito contentes em fazer a viagem de trailer, já que de avião seria muito mais rápido e não precisariam agüentar os "pavorosos" momentos em família, como pai cantando ao volante! No outro extremo, Doug é exatamente o oposto de Big Bob: um vendedor de celulares pacato, pau-mandado da esposa e humilhado em tempo integral pelo sogro. A parada da família no posto de gasolina assinala o triste destino do clã Carter, já que o frentista é cúmplice da quadrilha de sádicos (hehehehe) que vive no deserto, um grupo de mutantes e canibais gerados pelos testes nucleares na área. O modus operandi dos bandidos é sempre o mesmo: o frentista indica aos visitantes de passagem um suposto atalho pelo meio do deserto, na verdade uma armadilha, e os monstrengos atacam os viajantes, saqueando seus itens mais valiosos para o frentista, enquanto a carne dos cadáveres vira almoço para a turma. Escabroso, não?



E é claro que os Carter logo se tornam as próximas vítimas, quando Big Bob resolve tomar o tal atalho sem desconfiar de nada. O carro da família sofre um acidente, provocado por pontas de metal colocadas providencialmente no meio do caminho, bate num rochedo com os quatro pneus furados e fica fora de ação. Perdidos no meio do deserto, onde os celulares estão sem sinal e onde o rádio-amador do trailer não funciona, os pobres turistas se vêem obrigados a buscar ajuda. Big Bob decide caminhar de volta até o posto de gasolina e utilizar o carro do frentista para chamar um guincho; ao mesmo tempo, manda Doug caminhar para o outro lado da estrada, em busca de alguma casa ou fazenda. O patriarca ainda deixa o pequeno Bobby como responsável pelas mulheres da família, dando-lhe um revólver em mãos para "defender o trailer". E, após uma reza em conjunto, os dois "homens" da família (Big Bob e Doug) seguem o seu caminho, deixando a área livre para o ataque das monstruosas aberrações que vivem nas colinas...



Numa cena inexistente no original, Doug caminha quilômetros até chegar no fim do "atalho": uma enorme cratera repleta de carros e caminhonetes de diversos modelos e épocas, repletas de ferrugem e marcas de sangue; num plano fantástico, a câmera de Aja sobrevoa o local, mostrando a extensão do "cemitério de veículos" e o tamanho da encrenca em que a família está metida - no caso, a vastidão daquele maldito deserto. O resto é igualzinho ao filme de Craven. Um dos cães, Beauty, foge do trailer e vai para as colinas, sendo seguido por Bobby; quando o pirralho encontra o cachorro, ele está com o bucho aberto (embora Aja não utilize uma carcaça verdadeira de animal com as tripas de fora, como Craven fez em QUADRILHA DE SÁDICOS). Atordoado, na tentativa de voltar ao trailer, o garoto tropeça, cai e perde os sentidos, sendo observado por uma misteriosa figura que veste uma jaqueta vermelha com capuz - e que é Ruby (Laura Ortiz ), uma das integrantes do clã de mutantes, que, exatamente como sua contraparte no filme original, não está nem um pouco satisfeita com a vida no deserto e tenta mudar o cardápio de carne humana, pois, que meigo!, tem dó das pobres pessoas normais...





Enquanto isso, o machão Big Bob chega ao posto de gasolina somente para descobrir que o frentista não era tão santo quanto parecia: no escritório do sujeito, além de dinheiro, cartões de crédito e aparelhos eletro-eletrônicos roubados dos outros turistas atacados pelos canibais, o policial aposentado encontra até uma orelha ensangüentada dentro de uma embalagem de hamburger. Arrependido de seus crimes (sabe-se lá porque), o frentista está bêbado e se lamentando no banheiro do lado de fora do posto. Antes de explodir os miolos com um tiro de escopeta, ele balbucia coisas sem sentido, do tipo "Você não entende o que está acontecendo por aqui... As crianças cresceram como animais selvagens... Eu fiz o melhor que pude!". Mal o frentista se suicida, e Big Bob começa a ouvir estranhos ruídos nas proximidade. "Papai, papai!", chama uma voz sinistra, e antes que o patriarca dos Carter consiga se defender, ele é agarrado pelo famoso Papai Júpiter (Billy Drago, o rei dos canastrões e eterno vilão de filmes B, que aqui infelizmente aparece pouco).



Nesta altura do campeonato, já estamos no final do primeiro ato de VIAGEM MALDITA. Doug e Bobby voltam ao trailer, mas o garoto, para não preocupar a mãe e as irmãs, decide não contar nada sobre o cachorro estripado nas colinas. É um erro mortal, pois logo os canibais do deserto darão sua última cartada, atraindo a atenção da família de uma forma horrenda (ainda mais violenta que a encenada no filme de 1977) para poder invadir o trailer, estuprar, matar e seqüestrar a pequena Catherine. Humilhados, feridos e horrorizados com tamanha covardia, os sobreviventes da família resolvem se reagrupar, primeiro para se defender, e em seguida para dar o troco. E então, como no filme de Craven, os civilizados se tornam tão bárbaros, cruéis e sanguinários quanto os selvagens.



Mais até do que no original, VIAGEM MALDITA enfoca de maneira bem clara a transformação daquelas pessoas pacíficas em assassinos frios, principalmente através do personagem Doug; durante todo o primeiro ato, ele é apresentado como um almofadinha que mal consegue discutir com a esposa Lynn e com o sogro; um capacho, em resumo. Odeia armas e violência ("Doug é democrata, ele não acredita em armas", alfineta Big Bob); porém, quando vê sua família agredida e sua pequena filha raptada, Doug se transforma numa autêntica máquina de matar, tão sádica quanto os vilões. E isso fica evidente na cena em que ele ataca um dos mutantes, de surpresa, com um machado: não contente em torcer a lâmina nas costas do vilão, ao vê-lo caído Doug ainda pensa, por alguns rápidos segundos, na forma mais cruel para exterminá-lo, enfiando a face pontiaguda da lâmina diretamente no olho do infeliz! Ao trocar o golpe certeiro de machado por uma solução mais brutal e "criativa", não estaria o "herói" descendo ao nível sanguinário dos "vilões"?



Aja aproveita esta transformação para tecer uma ferrenha crítica à sociedade norte-americana atual, crítica esta que nem sempre cai bem na proposta do filme. Em uma cena, por exemplo, uma bandeira dos Estados Unidos é utilizada com propósitos sangrentos (alguns críticos desavisados acharam que era uma postura patriótica do roteiro, quando na verdade é exatamente uma crítica!). Além disso, Aja apresenta a família de mutantes sanguinários como uma típica família americana, que vive numa velha cidade-fantasma projetada para os testes nucleares dos anos 50, com suas casas suburbanas repletas de manequins sorridentes. No auge da crítica à francesa de Aja, um dos mutantes, imobilizado numa cadeira-de-rodas com seu crânio absurdamente gigantesco, canta o hino nacional americano enquanto tenta justificar a violência dos seus semelhantes: "Vocês mandaram suas bombas e nos transformaram naquilo que somos!". Evidentemente, este verniz "político" fica em segundo plano, e é uma pena que certos críticos influentes tenham se perdido ao levar em conta apenas tais aspectos do filme, sem analisar devidamente o resto - afinal, ainda estamos vendo uma história de horror, e não uma folheto de propaganda política.



A verdade é que, como filme de horror escancaradamente tenso e sangrento, VIAGEM MALDITA é uma das melhores produções dos últimos anos; neste ano em particular, disputa o posto com HOSTEL - O ALBERGUE, de Eli Roth, e dificilmente alguma outra produção bancada por um grande estúdio vá tirar o lugar destes dois no ranking. Seguindo na linha de violência explícita e exagerada que Aja já havia adotado em ALTA TENSÃO (recentemente lançado nas locadoras brasileiras, mas inédito nos nossos cinemas), VIAGEM MALDITA começa devagar para logo atirar-se num interminável pesadelo sangrento. A cena do ataque ao trailer, que já era sangüinolenta no original de Craven, ficou mais longa e gráfica; já a resposta dos Carter contra seus agressores é o ponto alto da matança e da sangreira, com Doug assumindo uma postura heróica (inexistente em QUADRILHA DE SÁDICOS) e despachando violentamente vários dos canibais.



Lembro de uma resenha histórica do QUADRILHA DE SÁDICOS original, publicada naqueles velhos guias de vídeo da Nova Cultural, onde o crítico dizia que os atores do filme de Craven pareciam estar realmente sentindo medo nas cenas de suspense e violência. A mesma observação pode ser tranqüilamente aplicada a VIAGEM MALDITA: apesar de contar com alguns atores bem meia-boca, que a princípio parece que vão servir apenas de enfeite (como a australiana Emile de Ravin), quando o bicho pega todo mundo surpreende pelo nível de realismo das situações e interpretações, sem fazer feio em comparação ao original. Não duvido, inclusive, que os atores tenham saído realmente machucados ou arranhados de algumas cenas mais pesadas, como o ataque ao trailer ou o momento em que Doug toma uma surra daquelas de Pluto, sendo arremessado, como um boneco de pano, contra paredes, portas e janelas. Também contribui para a atmosfera de realismo o fato de Aja nunca "limpar" os seus personagens: quando eles começam a se sujar de sangue, ficam repletos de sangue seco e coagulado até o final, diferente do que normalmente acontece nos filmes do gênero - em que os heróis sempre encontram um tempinho para se limpar. A degradação física e psicológica de Doug, por exemplo, fica muito mais realista no momento que vemos aquele sujeito pacato ser cada vez mais banhado em sangue - o seu próprio e o dos outros -, até terminar praticamente tingido de vermelho, dos pés à cabeça. A maquiagem e os efeitos especiais ficaram a cargo da KNB, a empresa dos mestres Greg Nicotero (que faz uma ponta como um dos mutantes) e Howard Berger, o que já dá uma bela idéia do que esperar...



Como acontecia no filme de Craven, VIAGEM MALDITA também se beneficia do fantástico cenário no deserto, quase um personagem à parte. As cenas foram feitas não no Deserto de Mojave, na Califórnia, onde o original de 77 foi filmado, mas sim em Marrocos (!!!), onde o sol causticante incomodou atores e equipe técnica. Em compensação, temos belíssimos planos gerais que dão uma idéia da terrível situação em que os personagens se encontram, perdidos no meio do nada, no que parece ser uma paisagem infinita de areia e desolação. Isso contribui para ressaltar a idéia de que, retirados violentamente da sua amada civilização (dos telefones, das delegacias de polícia, etc.), os personagens centrais se vêem obrigados a regredir a um estado quase primitivo, à altura de seus algozes. Ninguém vai ajudá-los no meio daquele deserto; eles mesmos terão que resolver a situação. Vale ressaltar, ainda, a participação marcante do cachorro Beast, que, como no original, manifesta um desejo de vingança tão intenso quando o dos protagonistas, matando ele próprio alguns dos mutantes.



Fã declarado do cinema de horror em geral, Alexandre Aja usa a receita certa para fazer deste remake uma produção memorável, mesmo que não-original. A trilha sonora, por exemplo, nunca se rende a pseudo-sucessos do hard rock moderninho para tentar atrair o público jovem; na verdade, na maior parte, a música é tensa, irritante, composta por alguns poucos sons abafados com acordes mais graves, acentuando a atmosfera de horror e de ameaça iminente. Aja também consegue incluir o que parecem referências explícitas a INVERNO DE SANGUE EM VENEZA, de Nicolas Roeg (no fato de Ruby perambular pelo cenário com um capuz vermelho); SOB O DOMÍNIO DO MEDO, de Sam Peckinpah (na transformação do pacífico Doug em máquina de matar); e até uma auto-citação a ALTA TENSÃO (quando um cadáver que não está "bem morto" acorda e respira fundo, dando um susto no personagem que se aproxima e no próprio espectador). Repare, ainda, numa cena muito, mas muito parecida com AMOR À QUEIMA-ROUPA, de Tony Scott (roteiro de Quentin Tarantino, para quem não sabe), quando um ensangüentado Doug está de joelhos e "ameaça" Pluto com uma chave-de-fenda (lembrando a ensangüentada Patricia Arquette de joelhos e "ameaçando" James Gandolfini com um saca-rolhas no filme de Scott; até mesmo a forma como a cena se conclui é idêntica!). Tudo bem que Aja às vezes se rende a certos vícios de linguagem modernetes (câmera acelerada) e outros típicos do cinema de horror americano atual (como os sustos falsos e vultos que passam em primeiro plano na frente da câmera, seguidos de uma explosão da trilha sonora). Mas não é nada que comprometa este jovem talento, certamente um nome a acompanhar em meio a dezenas de videoclipeiros medíocres que surgiram nos últimos anos.



Por seguir fielmente o roteiro original de Wes Craven (reescrito por Aja e por Grégory Levasseur, parceiros também em ALTA TENSÃO), VIAGEM MALDITA pode até não ser tão surpreendente para quem já conhece o original - a ordem dos acontecimentos é idêntica e os mesmos personagens morrem, com uma pequena mudança na conclusão. Mesmo assim, por atualizar os níveis de tensão e violência gráfica, e por não render-se nunca às soluções fáceis dos remakes feitos recentemente, VIAGEM MALDITA ganha muitos pontos, melhorando o que já era bom e, em muitos pontos, tornando-se bastante superior ao original (veja mais no texto abaixo). Arrisco-me até a dizer que supera, com folga, QUADRILHA DE SÁDICOS, entrando com louvor naquele panteão selecionadíssimo de refilmagens que conseguem ser melhores que os originais (onde também figuram A BOLHA ASSASSINA, O ENIGMA DO OUTRO MUNDO, A MOSCA e alguns outros). O próprio Craven sentiu orgulho do remake, que mantém o clima sujo e rústico da obra de 1977, sem tentar atenuar a história grosseira e sua conclusão completamente amoral. Curto e grosso, é um filme pra macho, que muita gente vai odiar justamente pelos seus excessos.



Com o sucesso nos cinemas (custou 14 milhões e rendeu 42 milhões de dólares só nos EUA!!!), já se fala em um VIAGEM MALDITA 2. A história divulgada - sobre membros da Guarda Nacional que se perdem no deserto e precisam enfrentar um novo clã de mutantes canibais - não é das piores, mas o cheiro de bomba já está no ar, ainda mais considerando a ruindade da seqüência do original, QUADRILHA DE SÁDICOS 2, feita em 1985 pelo próprio Wes Craven. Contanto que não ressuscitem os vilões mortos no original, como acontecia nesta bomba de 85, o resultado deverá ficar pelo menos dentro do aceitável.



Mas o ideal é correr agora para os cinemas e ver o primeiro VIAGEM MALDITA enquanto é tempo. E que ele se torne um referencial para o cinema de horror do século 21: ou os novos diretores fazem filmes mais sujos, mais sangrentos e absurdamente mais violentos e mais sádicos como o de Alexandre Aja, ou que abandonem de vez seus empregos para dirigir comédias românticas! Não há mais espaço para "filmes frescos" depois de um VIAGEM MALDITA...









VIAGEM MALDITA X QUADRILHA DE SÁDICOS
(Atenção: contém spoilers sobre QUADRILHA DE SÁDICOS e VIAGEM MALDITA)

FICOU MELHOR
- A origem dos mutantes é mais plausível neste remake do que no original. Para quem não lembra, em QUADRILHA DE SÁDICOS os vilões eram todos crias do gigantesco Júpiter, o filho deformado e grotesco do dono do posto de gasolina. Quando o frentista cansou das maldades de Júpiter (que inclusive incendiou sua casa, matando a irmã), tentou arrebentar a fuça do próprio filho com uma barra de ferro e abandonou-o no deserto, onde ele criou sua própria família numa caverna. Graças aos testes nucleares na área, Júpiter e uma puta barata tiveram filhos deformados, que passaram a saquear os turistas que passavam pelas redondezas. Em VIAGEM MALDITA, o clã surge a partir de uma família de mineradores que se recusa a abandonar a área de testes nucleares no deserto do Novo México (um deles, aparentemente, é o tal frentista do posto de gasolina). Quando os filhos destes mineradores passaram a nascer deformados, devido à radiação, o clã começou a viver escondido nas casas de uma cidade-fantasma usada pelo Exército para os testes, matando os turistas que passam por ali.

- O frentista não é flor que se cheire em VIAGEM MALDITA. Se no original ele era um coitado que não concordava com a matança perpetrada pelos canibais, e já estava preparado para se mandar da região quando os Carter chegaram no seu posto, no remake o sujeito é um filho da puta que está de parceirada com os vilões, indicando o "atalho" direto para o covil dos monstros a todos os turistas que passam pelo seu estabelecimento. Em troca, recebe parte do saque dos veículos. Em QUADRILHA DE SÁDICOS, o frentista tenta se suicidar por não tolerar mais a situação e é salvo por Big Bob Carter, sendo posteriormente morto pelo próprio filho, Júpiter. Em VIAGEM MALDITA, o frentista explode a própria fuça com um tiro de escopeta, talvez arrependido por ter mandado os Carter para morrer, e nunca fica claro se ele é pai de Júpiter ou não.



- QUADRILHA DE SÁDICOS podia até ser um filme violento em 1977, mas com o tempo virou mais um filme tenso do que propriamente um filme sangrento. O mesmo não acontece com VIAGEM MALDITA, que é excessivamente violento do início ao fim, mostrando mutilações on-screen, golpes de machado, cabeças explodidas, dedos decepados, tirambaços no pescoço e por aí vai. Além disso, a maioria dos personagens principais passa o segundo ato cobertos de sangue, dos pés à cabeça. E todo mundo sofre, tanto os que morrem quanto os que ficam vivos - é só lembrar que Doug, ao contrário do que acontecia no original, além de apanhar feito cachorro, ainda tem dois dedos decepados com uma machadada!



- Wes Craven tem uma fixação mal-explicada por armadilhas (elas aparecem não só em QUADRILHA DE SÁDICOS, mas também em LAST HOUSE ON THE LEFT, QUADRILHA DE SÁDICOS 2, A HORA DO PESADELO, PÂNICO e por aí vai). Embora Aja tenha mantido a clássica armadilha dos palitos de fósforo na porta do trailer, existente também no original, ele felizmente deixou de fora uma cena pavorosa de QUADRILHA DE SÁDICOS, onde Júpiter cometia a improvável cagada de pisar exatamente dentro do laço de uma armadilha preparada por Bobby e Brenda - e, naquela enorme extensão de deserto, o cara pisar EXATAMENTE no local onde havia uma armadilha escondida é muito azar (ou muita sorte, no caso dos heróis)!!! Tudo bem que, em VIAGEM MALDITA, Bobby perde um tempão fazendo um rudimentar sistema de alarme com fio de náilon, que na prática não serve para nada... Mas está valendo!

- É diferente você ver atores conhecidos nos papéis principais e secundários do que o bando de desconhecidos que participava do original. Ajuda, por exemplo, colocar Ted Levine e Kathleen Quinlan como as primeiras vítimas, pois ambos passam uma imagem de simpatia e o espectador chega a se sentir frustrado quando eles morrem. Ao mesmo tempo, é legal ver Billy Drago no papel de Júpiter (embora ele apareça muito pouco e o personagem tenha sido mal-desenvolvido em relação ao original) e Robert Joy, pavoroso como Lizard (a maquiagem do seu lábio leporino é surpreendente!).

- No papel de Bobby Carter, Dan Byrd, com seus 21 anos de idade, convence muito mais que Robert Houston no original. Ele interpreta o caçula dos Carter com um misto de medo pela situação violenta e o pavio curto e rebeldia típicos dos jovens modernos - tanto que, após o ataque ao trailer, solta um "Isso não vai sair barato!", mostrando-se muito mais propenso à vingança do que o próprio Doug.



- Doug, no original, era interpretado pelo apagado Martin Speer. O roteiro do remake salienta o fato de Doug ser um bunda-mole transformado em assassino casca-grossa por força da situação, e o personagem é muito melhor trabalhado (principalmente nas suas "tendências pacifistas" no primeiro ato). Também é bom lembrar que, em QUADRILHA DE SÁDICOS, Doug matava só um dos mutantes, e ainda por cima precisava da ajuda de Ruby para conseguir dar cabo do vilão; já em VIAGEM MALDITA, é só o cara sentir o gostinho de sangue que se torna um psicopata praticamente incontrolável, dando cabo de três dos principais mutantes! Se fosse uma competição de macheza, o Doug versão 2006 faria o Doug de 1977 mijar nas calças de medo...



- O canibalismo é muito mais explícito em VIAGEM MALDITA do que em QUADRILHA DE SÁDICOS. Embora o original tenha uma cena muito interessante não-aproveitada no remake - Júpiter conversando com a cabeça carbonizada e decepada de Big Bob, enquanto saboreia nacos de carne do pobre coitado -, havia bem pouco canibalismo on-screen. Já VIAGEM MALDITA atira carne humana praticamente na fuça do espectador: além de mostrar Doug aprisionado num freezer repleto de pedaços de gente cortados como carne de açougue, o novo filme ainda inclui uma nauseante cena em que Júpiter arranca os órgãos internos da falecida Ethel para um lanchinho rápido!

- O ataque ao trailer ficou ainda mais selvagem e violento no remake. O estupro de Brenda é consumado em cortes rápidos (no original de Craven nada aparecia, ficando subentendida a violência que a garotinha sofria); Lizard ainda abusa rapidamente de Lynn, ameaçando o seu bebê com um revólver. A cena em que ele devora um pássaro que estava na gaiola continua marcante nas duas versões, mas a matança perpetrada por Lizard quando Lynn e Ethel chegam ao trailer ficou mais sangrenta e covarde. Além de tudo, a câmera de Aja não tem pressa em livrar o espectador do tormento: com quase 10 minutos de duração, o ataque ao trailer em VIAGEM MALDITA é bem mais longo e gráfico do que em QUADRILHA DE SÁDICOS.



FICOU PIOR
- A conclusão de QUADRILHA DE SÁDICOS era curta e grossa: quando os Carter perdiam sua humanidade e desciam ao nível dos agressores, matando-os violentamente, a tela ficava vermelha e entravam os créditos finais. Simples assim: não havia tempo para reconciliações, música heróica ou explicações de como os "heróis" sairiam daquele vasto deserto; ficava, isso sim, uma sensação de desesperança, de que os sobreviventes, mesmo tendo escapado, ficariam brutalmente traumatizados e jamais se tornariam "normais" novamente. Neste sentido, o desfecho de VIAGEM MALDITA é erroneamente convencional e hipócrita: encena não só o reencontro triunfante de Doug e seu bebê com Bobby e Brenda - num abraço apertado de "Agora tudo está bem!" -, mas ainda vem com aquele eterno clichê de que "o pesadelo não acabou", quando ficamos sabendo que eles estão sendo observados por outros mutantes e que dificilmente sairão vivos dali...

- Os laços familiares entre os canibais eram muito melhor trabalhados em QUADRILHA DE SÁDICOS. Basicamente, havia uma estrutura patriarcal liderada pelo Papai Júpiter (James Whitworth), que comandava o clã formado pelos filhos Mars (Lance Gordon), Pluto (Michael Berryman), Mercury (Peter Locke) e Ruby (Janus Blythe). Em várias cenas, a "família unida" ficava bem evidente, inclusive com cenas na caverna onde os vilões viviam - e mais ênfase no sistema de comunicação deles por walkie-talkies. Ao mesmo tempo, é Júpiter, como bom pai e chefe do clã, quem lidera o ataque final dos seus filhos ao trailer, na parte final do filme. Em VIAGEM MALDITA, embora existam evidências de que todos os mutantes sejam parentes, não há uma estrutura familiar bem definida. Júpiter (Billy Drago) aparece apenas em duas cenas e nunca ficamos sabendo se ele é pai, tio ou irmão de todos os outros; o grande destaque vai para Lizard (Robert Joy, na versão 2006 do Mars do filme original) e Pluto (Michael Bailey Smith), com pequenas aparições de Ruby (Laura Ortiz) e de "novos" vilões: Goggle (Ezra Buzzington), Big Brain (Desmond Askew) e Cyst (Greg Nicotero), que não chegam a ter tempo de cena suficiente para fazer diferença.

- Apesar de Pluto e Mars comandarem a matança em QUADRILHA DE SÁDICOS, o grande vilão era o Papai Júpiter, que organizava todas as ações dos rebentos. Com uma enorme cicatriz no rosto, que dividia seu nariz em dois, o Júpiter de 1977 era um grandalhão selvagem e assustador, que chegava a matar violentamente o próprio pai (o frentista do posto de gasolina), mas tinha inteligência suficiente para conceber planos de ataque e para dar discursos tentando justificar seus atos. Neste aspecto, dá dez a zero no Júpiter versão 2006, que só aparece rapidamente no meio do filme, quando aprisiona Big Bob, e no final, quando aparece fazendo um lanchinho e é rapidamente despachado por Bobby e Brenda. Não chega a falar nada, apenas rosna como um animal, e nem de longe lembra o vilão calculista e ameaçador do original. O fato de ser ou não a figura patriarcal do clã também não é esclarecido no remake.



- O destino de Ruby em VIAGEM MALDITA é bastante inverossímil. Embora no original ela também tenha se voltado contra a sua família, ajudando Doug a salvar seu bebê e até atacando o próprio irmão Mars, é um tanto inconcebível a maneira como a Ruby do remake se sacrifica para matar Lizard (ambos caem de um penhasco e morrem abraçados) e assim salvar dois completos desconhecidos (Doug e seu bebê). No original, Ruby tinha visivelmente suas segundas intenções em ajudar os Carter - afinal, sonhava em deixar o deserto e viver no "mundo civilizado". No remake, o sacrifício da menininha não convence em momento algum, até porque os Carter provavelmente não pensariam duas vezes em matá-la como aos seus irmãos caso ela não tivesse ajudado a salvar o bebê...

- A maquiagem dos vilões em VIAGEM MALDITA é muito exagerada, chegando a ser engraçada até. QUADRILHA DE SÁDICOS usava, basicamente, atores muito feios (especialmente Michael Berryman no papel de Pluto) e um pouquinho de maquiagem (dentaduras postiças, o corte na fuça de Júpiter). No remake, os mutantes são mutantes MESMO, lembrando mais criaturas monstruosas fugidas do set de PÂNICO NA FLORESTA. Já perdi a conta de quantas piadinhas li na internet comparando o novo Pluto ao Sloth do filme OS GOONIES, e realmente um é a fuça do outro, o que tira um pouco do impacto. Lizard e Júpiter são os menos grosseiros em cena, já que acabaram representados como pessoas normais "enfeiadas"; já Goggle, Big Brain e Cyst, e até mesmo Ruby, aparecem como monstruosidades, e as toneladas de maquiagem nem sempre convencem, tornando os personagens muito exagerados. Claro que seria "politicamente incorreto" usar atores com defeitos de nascença (como Berryman) nos tempos atuais, mas bem que os maquiadores podiam ter se segurado um pouquinho na hora de criar o visual dos vilões!



PLACAR FINAL: VIAGEM MALDITA 9 x 5 QUADRILHA DE SÁDICOS






O QUE VOCÊ NÃO VAI VER NO CINEMA
(Atenção: contém spoilers sobre VIAGEM MALDITA)






A censura americana (sempre ela) exigiu dois minutos de cortes para o lançamento de VIAGEM MALDITA nos cinemas. Inicialmente, Alexandre Aja ficou furioso e subiu nas tamancas (afinal, era a primeira experiência do sujeito dirigindo um filme nos EUA e também sua primeira encrenca com a censura). Ele deu um discurso enfurecido dizendo que os censores eram burros, que cortaram a violencia mas deixaram seu discurso político crítico anti-Estados Unidos (você pode ver a íntegra dos xingamentos do cineasta na seção de Notícias da Boca do Inferno), Dias depois, Aja voltou atrás e assumiu que os cortes foram pequenos e, nem de longe, diminuíram a quantidade de violência e brutalidade de VIAGEM MALDITA. Mesmo assim, os dois minutos ficaram inéditos também nos cinemas brasileiros, e só devem dar as caras no DVD (cruze os dedos!). Confira nas fotos abaixo o que é que ficou de fora da edição exibida nos cinemas:

BIG BOB QUEIMANDO
A versão sem cortes inclui takes alternativos da cena em que Big Bob Carter é incendiado pelos canibais. Aparecem closes do braço dele em chamas, do rosto apavorado da vítima se debatendo e dos seus olhos ficando brancos.




O ESTUPRO DE BRENDA
Na versão cinematográfica, o ataque até que foi curto. Mas os cerca de 30 segundos cortados mostram Lizard arrancando o pijama da moça, colocando-a de quatro e "mandando ver" na pobre coitada, que grita desesperada. Nada muito explícito (já estava esperando pornografia, né taradão?), mas consegue ser chocante.






A EXECUÇÃO DE LYNN
A esposa de Doug toma um tiro na cabeça que, na versão para os cinemas, não chega a aparecer: a cena corta da arma disparando para o sangue espirrando na parede. Na versão uncut, podemos ver o clarão do disparo e o buraco de bala aparecendo na testa de Lynn.




O TERCEIRO TIRO
No auge da fúria, Doug dispara dois tiros de escopeta à queima-roupa em Lizard, na conclusão do filme. Porém, na versão sem cortes, são três disparos: a censura cortou o segundo deles, que praticamente explode o pescoço do vilão.


















O Cinema de Horror Contemporâneo do Ocidente estava com uma carência de autores com o brilho transgressor de Mestres do passado como os europeus: DARIO ARGENTO, LUCIO FULCI, ARMANDO DE OSSORIO, JESUS FRANCO, JEAN ROLLIN, JOE D’AMATO, SERGIO MARTINO entre muitos outros. Tirando MICHELE SOAVI poucos nomes se destacaram no Velho Continente, principalmente nos anos 90 e no início do Séc XXI. Uma enxurrada de slashers envernizados chegou a dar uma sobrevida comercial ao Horror Cinematográfico em produções como as da série PÂNICO. Quando ninguém esperava que fosse surgir um autor na Europa, e que o Horror Oriental era a única fonte de criatividade capaz de gerar novos talentos, eis que surge um moleque francês de vinte e poucos anos chamado ALEXANDRE AJA, e um filme: HAUTE TENSION aka ALTA TENSÃO.

A importância da chegada em cena de AJA é vital para recolocar a Europa no Mapa do Cinema de Horror.
ALTA TENSÃO tem grandes qualidades cinematográficas, uma direção impecável, atmosferas torturantes de suspense e horror e muitas referências aos clássicos dos anos 70 onde psicopatas á solta barbarizavam em filmes que se preocupavam muito mais com a história, a trama, do que com o Body Count. Outros filmes vieram nessa corrente nostálgica como REJEITADOS PELO DIABO e WOLF CREEK, mas o filme de AJA supera todos e revela ao mundo o melhor e mais criativo autor do Cinema de Horror atual. As referências aos filmes de Lucio Fulci estão presentes principalmente na escolha do Diretor de Efeitos Especiais de Maquiagem do filme que é o Sr GIANNETTO DE ROSSI, colaborador de Fulci e D’Amato entre outros. O sucesso de ALTA TENSÃO em Festivais chamou muito a atenção da crítica e logo surgiu o inevitável convite de um Estúdio norte-americano, no caso a Fox-Searchlight, para que o jovem AJA dirigisse uma produção em inglês, no caso o remake de um clássico absoluto dos anos 70: THE HILLS HAVE EYES, 1977, de WES CRAVEN.








A notícia desse remake se espalhou como fogo na pólvora entre fãs e internautas mundo afora e muitas especulações rolaram sobre as dificuldades do diretor em impor sua visão do roteiro para os executivos da Fox. Entre tretas e discussões o filme conseguiu ser realizado, com um elenco de semi-desconhecidos, com locações numa região desértica do Marrocos onde a equipe foi exposta a temperaturas altas num ritmo árduo de trabalho com pessoas de diversas nacionalidades presentes no set de filmagem. Em termos comparativos os dois filmes tem grandes diferenças ficando somente a estrutura central do roteiro original de Craven sobre uma família de classe-média norte-americana em viagem pelo deserto que é brutalmente atacada por uma tribo de mutantes, descendentes dos sobreviventes de antigos testes nucleares praticados pelo Exército dos EUA durante o auge da Guerra Fria. Aja inseriu no roteiro um forte conteúdo crítico com relação ao imperialismo bélico dos EUA que para sua surpresa não foi vetado pelos produtores do filme.






A abertura do filme consegue criar uma forte atmosfera de antigos filmes de ficção-científica mostrando uma paisagem desértica de areia e pedras onde um grupo de homens trajando uniformes anti-radiação medem a presença de lixo radioativo com aqueles aparelhos característicos que emitem um som que parece o de interferências de rádio. Surge então o primeiro dos muitos sustos de causar taquicardia que permeiam todo o filme. Os créditos iniciais mostram imagens de bombas atômicas explodindo mescladas a inserção de imagens reais de pessoas com deformidades físicas. Ao contrário do que o roteiro pode sugerir essas deformidades apresentadas são o efeito de mutações genéticas causadas pelo Agente Laranja, arma química usada pelo Exército Norte-Americano durante a Guerra do Vietnã.






A personagem do Dono do Posto de Gasolina é melhor trabalhada nesse remake de Aja do que no original de Craven. A típica família norte-americana em férias é liderada pelo Republicano Big Bob que tem na figura de Doug, seu genro, o contraponto dramático dentro dessa estrutura familiar. Doug é Democrata, pacifista e não acredita em armas. Além da matriarca da família surgem em cena as duas filhas de Big Bob, uma delas casada com Doug e a outra, Brenda, interpretada por EMILIE DE RAVIN, do seriado LOST. O filho de Big Bob parece uma versão jovem do pai, adorador de armas e que se refere ao cunhado Doug de maneira pejorativa por sua orientação Democrata. AJA estrutura já no início do filme sua crítica com relação ao pensamento de classe-média norte americano, conservadora, arrogante e que se julga auto-suficiente e incapaz de falhar. Um bebê também faz parte da família como arma maniqueísta de AJA para manipular o espectador até o final do filme. A primeira figura da Tribo dos Mutantes, Ruby, que aparece em cena vestindo um agasalho vermelho com capuz é uma clara referência a menina fantasmagórica de INVERNO DE SANGUE EM VENEZA de NICOLAS ROEG. As locações do filme foram muito bem escolhidas e criam um clima de crescente tensão onde os mutantes podem estar em qualquer lugar e atacar a qualquer momento. A seqüência noturna no Posto de Gasolina mostra o quanto AJA está amadurecido nesse filme criando momentos intensos de horror em meio às sombras com o auxílio da ótima trilha sonora.






Passado um tempo razoável, o único rosto mutante revelado para o espectador é o da menina de capuz vermelho. O mistério na revelação dos rostos dos outros membros da “Quadrilha de Sádicos”, (numa alusão ao título brasileiro do filme original de Craven) é guardada para o momento certo: a longa seqüência do ataque ao trailer da família. Encenada durante a noite essa seqüência perturbadora coloca em cena as três mulheres da família junto com o bebê dentro do trailer. Um truque do apagar e desligar de luzes revela para Brenda o rosto terrivelmente deformado de Pluto, um dos mais populares personagens do filme original. AJA optou por uma deformidade facial mais aterradora, quase surreal brilhantemente revelada pelo ponto de vista da personagem. O novo Pluto é interpretado por MICHAEL BARLEY SMITH, o protagonista de MONSTER MAN. Um jogo sádico e perverso se inicia com o abuso da mulher de Doug por outro freak mutante que aponta a espingarda para o berço onde dorme o bebê. Wes Craven se confessou muito impressionado com o resultado dessa seqüência longa e com desdobramentos dramáticos e ainda mais aterradores.






Um dos pontos altos do roteiro é a conversão de Doug de um pacifista convicto em uma criatura vingativa que consegue extrair de si mesmo uma força descomunal que ele próprio desconhecia. Uma excelente sacada da equipe de Direção de Arte foi construir uma espécie de “Cidade Fantasma”, que na verdade é uma reconstituição das ruínas de cidades cenográficas construídas pelo Exército dos EUA para avaliar os danos das explosões atômicas em cidades reais, inclusive utilizando muitos bonecos que no filme aparecem como figuras decréptas, corroídas que são uma espécie de antevisão dos mutantes que começam a surgir aos poucos em cena. Os duelos sangrentos de Doug nesse cenário desolado são muito bem realizados e carregados de críticas contra os EUA como no momento em que um dos mutantes canta o Hino Nacional norte-americano. AJA cria um diálogo macabro entre a América do artificial Sonho Americano com a América do avesso, do Pesadelo Americano que eles próprios construíram e que agora se volta contra eles, os destruindo, os consumindo. AJA ainda guarda algumas surpresas até os últimos segundos do filme em referências aos velhos Faroestes Italianos.






Com bons e sádicos momentos Gore, sustos em profusão e muita adrenalina o Diretor conseguiu superar o Mestre Craven. Ao contrário dos remakes recentes de DAWN OF THE DEAD e O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, VIAGEM MALDITA é uma recriação superior e infinitamente mais transgressora do original. Uma seqüência do filme já foi anunciada e esperamos que não seja como a que foi feita anteriormente. Não podemos esquecer da presença muito importante do cachorro, presente em ambas as versões. AJA tem dois projetos já engatilhados para os próximos anos, mas com um conteúdo ligado aos temas sobrenaturais, fugindo bastante das temáticas mais realistas. Vamos esperar para conferir.







Postado e editado Por Zeio.
devido creditos ao Felipe M.Guerra